segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Candeia - Axé! Gente da Antiga (1978)

Mais um montro da música. Mestre Candeia. Faltam-me palavras prá falar desse homem que como nenhum outro carregou nos braços e em sua arte os valores da cultura afro-brasileira. Um cara de gênio forte que nos tempos em que trabalhava na polícia ficou famoso pelo tipo truculento. Mais tarde uma tragédia (levou 5 tiros, um deles alojando-se na medula óssea) colocou-o até o fim na vida numa cadeira de rodas. Seu trono como dizia num de seus sambas. Do cabôco dos candomblés e da capoeira, nascido em casa de bamba, surge então um dos mais líricos e intimistas poetas que a música conheceu. Autor de jóias como "Preciso Me Encontrar" (eternizada na voz de Cartola), "O Mar Serenou" (explode no gogó de Clara Nunes) e "Pintura Sem Arte" (que abre esse disco), Candeia passou a plantar em seus sambas um diálogo sereno e doloroso com sua morte precentida e sua condição deficiente. Mas assim como é no coração de todo grande ser humano, nunca faltou-lhe a alegria das rodas de samba e um carisma de líder que o ajudou a fundar sua Escola de Samba Quilombo. Escola que segundo ele trazia a honra de guardar o verdadeiro samba dos estrangeirismos inconvenientes e modismos passageiros que na época já o sondavam implacavelmente. Candeia é até hoje referência na defesa de um samba tradicional bem próximo de suas raízes africanas. Axé! é seu último disco e para muitos pesquisadores, além de sua obra prima, é um dos discos mais importantes da música brasileira. Gravado num ambiente descontraído sob o puro espírito do samba, não faltam caixas de fósforo, improvisações e muita cachaça (bem evidente no barulho de copos e garrafas). Esse documento histórico gravado no mesmo ano em que o mestre nos abandonou ainda conta com Clementina de Jesus, Dona Ivone Lara, Copinha, Wilson das Neves, Marçal e outros. Olha ainda esse texto da hora que eu achei comentando cada faixa do disco:

1) pintura sem arte, dele próprio, reflete seu sentimento em relação à tragédia que o deixou deficiente: me sinto igual a uma folha caída / sou o adeus de quem parte / pra quem a vida é pintura sem arte... niquinho no bandolim e copinha na flauta dão o tom de baile de subúrbio que candeia pretendia transmitir.

2) ouro desça do seu trono, do legendário paulo da portela, falecido em 1949. walter e joão de aquino nos violões e walmar no cavaco armam uma introdução bonita e cheia para a versaria de candeia e alvaiade, com o apoio do coro da velha guarda. na seqüência, mil réis, parceria sua com noca da portela, em que o surdo de gordinho se destaca pela competência da marcação uniforme, encorpada e convicta.

3) vivo isolado do mundo, belo trabalho de alcides dias lopes, vale pela lembrança do histórico compositor e pela redescoberta do cantor manacéia, outro grande personagem da história do samba. é seguida por amor não é brinquedo, de candeia e martinho da vila, em que a cuíca de marçal e o repinique de doutor saúdam o excelente resultado da nobre parceria dos velhos amigos.

4) zé tambozeiro [tambor de angola], parceria sua com vandinho, é um excelente exemplar do chamado samba de roda ou de umbigada, tipo de samba que antecedeu ao partido alto. a forte presença de clementina de jesus e a competência de carlinhos, no toque de angola, são marcantes nessa gravação.

5) dia de graça, assinada somente por candeia, começa com os ritmistas encaminhando-se para a concentração, cada qual esquentando seu instrumento, despreocupados em fazê-los concertantes, tirando o seu som em um exercício de sons afro. depois vem em uníssono a orquestra de percussão em harmonia, um desfile contagiante.

6) gamação, de candeia, começa o clima de rodas de samba de boteco e quase nos faz sentir o gosto da cerveja gelada que rega os versos sustentados com autoridade pela cozinha. peixeiro granfino, parceria com bretas, nasceu de um pregão popular que os dois compadres e parceiros escutavam na infância. a nobre presença de dona ivone lara versejando é tão linda que dispensa comentários. a roda continua com ouço uma voz, samba antigo de nelson amorim, que traz a estréia de chico santana, com sua voz emocionada. vem amenizar, parceria com waldir 59, encerra o samba do terreiro, com apito chamando e bateria encorpada, subindo no jeito de desfile.

7) o invocado, do parceiro e amigo casquinha da portela, conta novamente com a cuíca de marçal determinando o clima do partido zangado e crítico, bem carioca e muito expressivo. beberrão, de aniceto do império e molequinho, fundadores da escola de samba império serrano, é um pagode solto, de versos improvisados, que cita manuel bam bam bam, da portela, e lembra o infalível cura-porre caldo de rã.

Link e comentários das faixas do blog Mercado de Pulgas. Belíssimo blog.

baixe esse disco obrigatório

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